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Estes que são contra os gays, são contra o que?

Sempre leio, diariamente, notícias sobre gênero, orientação sexual e temas correlatos, graças a filtros no Google e as informações postadas no Twitter. Esta clipagem feita todos os dias me dá acesso a uma amplitude de opiniões, contra ou a favor dos direitos LGBT, e o que me permite fazer uma análise sobre o principal argumento dos opositores dos direitos gays: perder o direito de criticar. Mas a pergunta que não quer calar é: sobre o que eles são contra?

De acordo com grupos de extrema-direita, políticos (falsos) moralistas e religiosos fundamentalistas, o problema é o comportamento “imoral” dos homossexuais. E por comportamento imoral citam a promiscuidade (na atualidade, comum entre jovens gays ou heteros) e a anti-naturalidade dos relacionamentos gays, que seriam imorais por serem contra as ‘leis de deus’.

Em detrimento do que diz a bíblia ou qualquer outro livro sem fundamentação teórica reconhecida por boa parte da comunidade cientifica, a orientação sexual é moldada por diversos fatores biológicos, como questões hormonais durante a gestação e predisposições genéticas, além fatores ambientais e culturais. Apesar de não haver consenso na comunidade cientifica sobre como seja formada a orientação sexual de uma pessoa, em um ponto, todas as teorias são unânimes: atração afetiva e sexual não se escolhe, não se molda e nem é passível de ser trocada. Seja hetero ou gay.
Então, assim como etnia ou gênero, a orientação sexual é uma característica inata, e não há escolha em nenhum momento de seu processo de formação, tornando o termo ‘opção sexual’ sem sentido. Esta característica inata da orientação sexual a torna sim, ao contrário do que dizem os fanáticos religiosos ou políticos acima, imune a críticas. Criticar ‘modo de vida dos homossexuais’ é tão genérico quanto criticar ‘modo de vida dos heterossexuais’, já a única característica obrigatoriamente em comum entre gays é sua atração afetiva e sexual por pessoas do mesmo sexo.

Dizer que ser gay é pecado, ok. Pra algumas religiões, comer carne de porco, mulheres comerem junto com homens ou até matar um inseto é pecado. Agora, julgamentos morais são outros quinhentos. Ao julgar um gay como ‘imoral’, ‘abominável’ ou ‘errado’, um religioso pode estar agredindo psicologicamente um homossexual de forma irreversível. É justo? Seria justo um negro ter de mudar de cor por conta de uma imposição religiosa em relação a ‘imoralidade da cor de sua pele’? Seria justo uma mulher ter de se vestir de homem pra ganhar o respeito da sociedade que a cerca? Teria ela de fingir ser o que não é para poder viver em paz?

Pois é isso que cobram alguns destes radicais que querem patrulhar as vidas privadas (e públicas) de outras pessoas. Que gays mudem seu ‘comportamento obsceno’ para satisfazer os delírios homofóbicos e segregacionistas de alguns. E querem manter seu direito de criticar abertamente uma característica inata de pessoas que não optaram por serem como são: apenas são. Assim como foi usada para justificar a submissão das mulheres ante aos homens e até a escravidão, a bíblia é usada contra os direitos dos homossexuais. Hoje, é inconcebível tentar qualquer argumento contra a igualdade entre gêneros e etnias. Quem sabe, o amanhã seja azul para os gays, também.


Não é homofobia, é analfabetismo



“Analfabeto funcional é a denominação dada à pessoa que, mesmo com a capacidade de decodificar minimamente as letras, geralmente frases, sentenças, textos curtos e os números, não desenvolve a habilidade de interpretação de textos”.

A definição acima, a primeira encontrada no Google, dá conta de um fenômeno especialmente comum no Brasil. Segundo dados de 2005 do IBOPE, o analfabetismo funcional atinge 68% da população e que, somados aos 7% da população que é totalmente analfabeta resulta em 75% da população não possuir o domínio pleno da leitura e da escrita. Apenas um a cada quatro brasileiros é  plenamente alfabetizado.

As recentes declarações do deputado federal Jair Bolsonaro (PP-RJ) trouxeram a tona uma característica comum nas personagens públicas que são declaradamente contra os direitos dos homossexuais e outras minorias: sua falta de capacidade em interpretar textos de forma racional.

Junto com outras figuras de capacidade intelectual duvidosa, como o pastor evangélico Silas Malafaia e o também pastor e deputado Marco Feliciano (PSC-SP), Bolsonaro utiliza-se de trechos da bíblia para humilhar, oprimir e estigmatizar homossexuais. Um sinal claro de analfabetismo funcional, já que a bíblia teria sido escrita há mais de 1500 anos e em uma língua morta. Qualquer trecho bíblico pode ser interpretado de centenas de formas diferentes, já que existem diversas traduções para o livro, que fala sobre conceitos morais e sobre panoramas culturais muito diferentes do que vivemos hoje.

Em trechos da bíblia, a misoginia, o racismo e a escravidão são toleradas e até incentivadas, e nem por isso, ninguém se utiliza destes trechos para requisitar a volta da escravidão no Brasil. Da mesma forma em que relações entre dois homens e duas mulheres são citadas como ‘abominações’ (Levítico 18:12), conceito comum ao judaísmo que predominava na região, onde qualquer coisa que se opusesse as tradições da religião era considerada abominação.

Em alguns livros específicos, especialmente do Velho Testamento, como Êxodo e Levítico, ações moralmente condenáveis hoje eram tratadas com naturalidade, assim como era natural o preconceito contra homossexuais, conceito inexistente na época. Por exemplo, um pai poderia vender a filha como escrava (Êxodo 21:7), um homem não poderia ter qualquer tipo de contato com mulheres em período de ‘impureza menstrual’ (Levíticos 15:19-24), e que podemos ter escravos, tanto homens quanto mulheres, se eles forem comprados de nações vizinhas (Levíticos 25:44). Podemos justificar a escravidão, a tráfico de seres humanos e a misoginia com trechos bíblicos, assim como podemos justificar a homofobia. O problema é que hoje, estes conceitos são inconcebíveis no direito e na sociologia modernos.

(Pra completar, trechos bíblicos dizem que eu devo matar alguém que trabalhe no sábado, considerado sagrado (Êxodo 35:2), que comer moluscos é uma abominação (Levíticos 11:10), que não posso me aproximar do altar de Deus se eu tiver algum defeito na visão (Levíticos 21:20) e que homens não devem aparar a barba ou os cabelos (Levíticos 19:27), podendo ser punido com morte)

Usar trechos da bíblia ou de qualquer outro conjunto de códigos morais que não advenham da Constituição Federal para condenar a homossexualidade é um ato de ignorância. E entenda-se por ignorância não o desconhecimento em relação ao conteúdo bíblico, mas sim a tentativa de aplicar um texto escrito em um contexto cultural e social muito diferente do nosso em nossa sociedade moderna.

É como querer encaixar um cubo onde entra um círculo, naqueles testes que usam para macacos. Não entra, a menos que você quebre alguma coisa, ou a peça ou o brinquedo. E é isso que tentam grupos de extremistas religiosos ao impor seus conceitos morais, sempre mais nobres e justos que os demais, sobre toda a sociedade. E para a vergonha destes religiosos, até os macacos sabem que o quadrado não encaixa no circulo.