Diversidade, em todos os sentidos

Arquivo para março, 2012

Presidente da Diversidade do PSDB: “Dilma assinou compromisso com fundamentalistas evangélicos, enquanto o Serra, não”

Em uma época onde os direitos LGBT são rifados pelo Governo Federal e por acordos políticos da Presidente Dilma Rousseff com a bancada evangélica no Congresso, grupos políticos de oposição se mobilizam para dar visibilidade as reivindicações e aos direitos dos homossexuais. Entre os partidos considerados conservadores, normalmente mais resistentes as lutas dos movimentos sociais, o PSDB e sua Diversidade Tucana (DT) se destacam como voz solitária mais a direita do espectro político brasileiro.

O PSDB registra grupos de luta pelos direitos dos homossexuais desde 1994, mas um coletivo político LGBT só foi estabelecido oficialmente em 2006. De concreto, o tem o vereador de Piracicaba (SP), Bruno Prata, e já tem pré-candidatos a vereador em Piracicaba, Goiânia, Belém e em São Paulo, além de defensores dos direitos LGBT candidatos a prefeito e vice-prefeito em todo o Brasil, de acordo com a própria DT.

Hoje, o grupo é presidido por Marcos Fernandes, formado em filosofia, e hoje assessor parlamentar da Secretaria da Fazenda de SP. Ele já foi chefe de gabinete da Secretaria de Participação e Parceria e assessor da bancada do PSDB na Câmara Municipal de São Paulo. Em entrevista exclusiva ao Blog do De Lucca, Marcos falou sobre o governo Dilma e a avaliação tucana sobre a situação dos homossexuais no Brasil atualmente.

Como surgiu a Diversidade Tucana? Como ela atua hoje em dia, como esta organizada?

Marcos – A Diversidade Tucana foi oficialmente criado em 2006, mas já havia no PSDB, pelo menos desde 1994, grupos de LGBT que atuavam nas campanhas eleitorais, especialmente nas elaborações de planos de governo. Muitas das ações do PSDB no tema da diversidade sexual aconteceram antes de existir o Diversidade Tucana, até que essas pessoas começaram a perceber que era hora de uma atuação mais orgânica, mais permanente. Nos últimos anos passamos a focar nossa atuação dentro do partido e isso tem nos levado a bons resultados. Há alguns dias, por exemplo, eu estive em Belém do Pará, na cerimônia de oficialização da criação do Diversidade Tucana estadual e municipal lá, com presença e apoio de grandes lideranças do PSDB paraense, e a chancela do governador Simão Jatene, que faz um governo que promove a cidadania LGBT e combate a discriminação.

O PSDB ainda pode ser considerado um partido conservador?

Marcos – O PSDB nunca foi conservador e nem de direita. Isso é coisa que alguns militantes falam como tentativa de desqualificar, na hora do embate político-eleitoral. Eu acho uma bobagem, porque ser progressista ou conservador não é um simples rótulo que alguém te coloca e pronto, são adjetivos que devem espelhar as suas ações. O PSDB foi pioneiro no Brasil em termos de políticas sociais mais avançadas. Até o governo Fernando Henrique Cardoso, o que se tinha no Brasil eram aquelas distribuições de cestas básicas, imensas campanhas de arrecadação de donativos para serem transportados até as regiões mais pobres do país, a distribuição era uma prerrogativa dos políticos locais, que usavam isso a seu favor. Era essa a grande força do coronelismo. No governo FHC foram criados os programas de transferência de renda, como a Bolsa-Escola, que depois foram unificados e viraram o Bolsa Família. A estabilização econômica, com o fim da inflação, também aumentou muito o poder de compra dos trabalhadores. Isso sem falar nos grandes saltos tecnológicos que proporcionaram a democratização de alguns serviços que antes só os ricos tinham acesso, como na área de telefonia, e nas políticas de Direitos Humanos e de Saúde, que foram as mais progressistas que já tivemos no Brasil até hoje.

Como se dá a articulação dentro do partido, que tem em seus quadros muitos conservadores? O Partido ‘abraça’ a diversidade?

Marcos – Em seus governos, o PSDB sempre “abraçou” a diversidade, desde o governo Montoro em São Paulo, em 1983. A primeira campanha de Saúde voltada para gays e o primeiro Plano de Direitos Humanos que incluiu LGBT foram no governo FHC. O primeiro órgão de governo específico para a questão da diversidade sexual foi criado pelo Serra, em 2005, quando prefeito de São Paulo. Como governador ele criou uma coordenadoria estadual semelhante, e o primeiro ambulatório de saúde voltado para travestis e transexuais do Brasil. Temos muitas outras ações como essas em muitos governos do PSDB: delegacias contra intolerância, centros de referência, conselhos LGBT, dispositivos legais, campanhas anti-homofobia, etc. O PSDB tem em seus quadros algumas pessoas que preferem atuar na contramão disso, como em todos os partidos hoje em dia, esse é um movimento que infelizmente vem crescendo muito no Brasil. Mas felizmente no PSDB essas são as exceções. Os grandes líderes do PSDB têm todos muito o que mostrar quando se fala em cidadania LGBT.

Qual a autonomia da DT para se manifestar em relação as suas posições? Qual a força do movimento dentro do partido?

Marcos – Temos total autonomia e o partido reconhece nossa atuação como algo positivo, nunca nos colocou empecilhos, pelo contrário. Temos recebido apoio de várias lideranças para fazer nosso trabalho, que muitas vezes também é interno, de estimular o debate, levar informações que às vezes alguns membros ainda não têm. Esse trabalho é dinâmico, e tem crescido muito exatamente porque contamos com o apoio institucional do partido.

Como a DT está trabalhando para as eleições 2012? Serão quantos candidatos da Diversidade do PSDB?

Marcos – A principal tarefa será preparar os Planos de Governo referentes a programas e projetos para a população LGBT e faremos um trabalho também com os candidatos a Vereador.

Como você avalia o trabalho do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em relação as políticas LGBT? Quais foram os avanços que tivemos durante seus oito anos de mandato?

Marcos – Em muitas áreas o governo FHC implantou políticas pioneiras, que abriram as portas para diversas conquistas do povo brasileiro. Na questão LGBT não foi diferente. Para você ter ideia, antes do Fernando Henrique nenhum presidente brasileiro tinha sequer falado a palavra “homossexual” em público. Ele lançou o primeiro Plano Nacional de Direitos Humanos que contemplava LGBT. Foi uma mudança de paradigma porque até aquele momento a questão LGBT no Brasil se limitava à área da Saúde, especialmente na questão do HIV/Aids, e a partir daquele documento o governo brasileiro passou a reconhecer que o respeito à orientação sexual das pessoas era uma questão de direitos humanos. Durante o governo FHC também tivemos o programa de combate à Aids considerado pela ONU o melhor do mundo. E ele deu certo porque o então ministro José Serra teve a capacidade de enxergar e reconhecer a atuação das organizações do movimento LGBT brasileiro e fazer parcerias com elas para que a prevenção e o tratamento realmente chegassem às pessoas que precisavam. Essas duas mudanças de olhar sobre a população LGBT mudaram toda a nossa história de lá para cá.

E em relação ao Governo Lula? Você viu no governo do petista mais avanços do que no governo tucano?

Marcos – Durante o governo Lula nós tivemos, infelizmente, uma estagnação. Começou mantendo o ritmo que vinha do governo FHC até lançar o programa Brasil Sem Homofobia, em 2004, que era um programa bastante avançado, que nos deu muitas esperanças. O problema é que não saiu do papel, e o pouco que foi executado hoje já não existe mais. Depois, só nos últimos anos de mandato, o presidente Lula convocou a Conferência Nacional LGBT, cujos resultados práticos também foram pífios; implantou um conselho LGBT em que os membros são indicados e, com isso, quase todos são ligados ao PT; e criou uma coordenação LGBT, ao contrário de outros segmentos como mulheres e negros, que têm secretarias especiais ligadas diretamente à Presidência da República, com status de ministério. Ou seja, esperávamos muito mais do Governo Lula, até pela atuação que o PT costumava ter no Legislativo em relação a LGBT. No fim, os maiores opositores de projetos como o PLC 122 eram da base aliada do Governo Lula e ele nunca usou sua influência política para fazer o projeto andar e ser aprovado. Não fomos tratados como assunto importante.

A Presidente Dilma está sendo duramente criticada pelo Movimento LGBT por sua aproximação com a bancada evangélica e com fundamentalistas religiosos como Marcelo Crivella e Magno Malta. Como você vê esta relação de Dilma com os evangélicos?

Marcos – Nós precisamos fazer uma diferenciação: uma coisa é estar próximo e ouvir de forma republicana todas as forças políticas que representam setores da sociedade; outra coisa é virar as costas para uma população de quase 20 milhões de brasileiros e barrar políticas públicas importantes para essas pessoas em nome de negociatas com uma força política específica. Esse é o problema da presidente Dilma: ela barrou o kit anti-homofobia em uma negociação com a bancada evangélica para tentar salvar o então ministro Antonio Palocci, que na época estava sob investigação; depois deu declarações que reforçavam estigmas e preconceitos, dizendo que o kit fazia “propaganda de opções sexuais” (sic); barrou uma campanha de prevenção ao HIV/Aids volta da especificamente para homens gays, coisa que dez anos antes o governo FHC já havia feito. E em meio a tudo isso, ela jamais recebeu representantes do Movimento LGBT desde que tomou posse, nem mesmo as organizações e lideranças mais ligadas ao PT. Ou seja, a presidente Dilma escolheu não levar em consideração essa população. Se durante o Governo Lula os avanços nessa área desaceleraram, agora no governo Dilma estamos andando para trás.

Durante a campanha eleitoral de 2010, Serra também se mostrou bastante próximo aos evangélicos, usando o mesmo discurso sobre o aborto e negando-se a falar sobre direitos dos LGBT, angariando inclusive o apoio do pastor Silas Malafaia. Como você acha que teria sido esta relação entre Serra e os evangélicos, caso ele tivesse sido eleito?

Marcos – As pessoas às vezes tentam colocar posturas completamente diferentes no mesmo saco, para confundir mesmo. Veja as diferenças: o Serra sempre foi contra o aborto, é uma posição pessoal dele, enquanto a Dilma disse em uma entrevista ser a favor e durante a eleição disse ser contra. O que o Serra estava criticando não era o fato de ela ser a favor do aborto, mas de ter mudado de posição apenas para a eleição. Você pode ir atrás de uma sabatina do Portal R7, ligado à Rede Record, em que o Serra disse com todas as letras ser a favor do casamento civil entre pessoas do mesmo sexo. Ele recebeu o apoio do Silas Malafaia, mas era o Malafaia quem estava apoiando as ideias dele, e não o contrário. O Serra não fez como a Dilma, que assinou compromisso com fundamentalistas evangélicos de não mexer em uma série de questões, entre elas as questões LGBT. E o mais importante: o Serra tem história, a gente podia olhar para trás e ver o que ele tinha feito, quais tinham sido as posturas dele. Quando foi governador de São Paulo, ele teve deputados evangélicos na sua base aliada, mas quando um deles apresentou um projeto de lei para revogar a lei estadual anti-homofobia, um representante da Secretaria da Justiça foi à Assembleia Legislativa dizer que se aquele projeto fosse aprovado o governador vetaria o projeto. Ou seja, o Serra é uma pessoa que governa para todos e não deixa um segmento da população tentar impor derrotas e retrocessos a outros.

Você acredita que o debate de evangélicos contra não-evangélicos será a tônica das próximas eleições presidenciais? Como você acha que o PSDB vai se posicionar em relação a isso?

Marcos – O Brasil não vai bem. Nós tivemos um ganho de poder de compra de parcela importante da população e um momento econômico muito feliz, mas nada disso se reverteu em mais qualidade na educação, saúde, saneamento básico, cultura, transparência e ética no serviço público. Tivemos nos últimos anos um país que cresceu em PIB (Produto Interno Bruto) e não cresceu em IDH (Índice de Desenvolvimento Humano). E hoje já vemos o endividamento da população crescer a patamares alarmantes e a atividade industrial enfrenta seu sexto mês seguido de queda. Portanto, quem simplificar o debate das próximas eleições presidenciais a questões tão desimportantes quanto essa é porque não tem soluções a apresentar. O PSDB certamente não entrará nisso.

Muita gente critica a dicotomia política entre PSDB e PT. Você acha que há outros partidos que possam quebrar a hegemonia política de tucanos e petistas, ou os dois partidos se consolidarão cada vez mais como os dois maiores do Brasil?

Marcos – A polaridade entre duas forças políticas é algo natural com a consolidação das instituições democráticas. No mundo todo é assim, e o Brasil também caminha nesse sentido. O problema do Brasil não é a polarização entre PT e PSDB, mas sim os chamados “partidos de aluguel”, que são pequenos partidos que trocam seu apoio de forma fisiológica. A sociedade brasileira precisa se conscientizar da necessidade de uma reforma política profunda para que a qualidade da nossa representação política aumente. Dispositivos como o voto distrital ou distrital misto são fundamentais para isso.

Como o PSDB e sua Diversidade se posicionam em relação ao kit contra a homofobia (vetado no Governo Dilma), a PLC 122 (barrada no congresso) e o Casamento Gay (cujo projeto não avança por pressão dos evangélicos)?

Marcos – O kit anti-homofobia é, em primeiro lugar, um material de qualidade discutível. Mas o problema é que não houve um diálogo amplo com a sociedade para a sua apresentação. Nem mesmo o Movimento LGBT foi incluído de forma mais ampla nessa discussão. Ninguém pode querer abordar um tema polêmico como esse, que mexe com a moralidade e até a religiosidade de cada família, sem fazer um trabalho de conscientização da necessidade desse material junto às comunidades escolares. Quando os grupos fundamentalistas apresentaram vídeos falsos, dizendo que o kit trazia filmes eróticos para as crianças assistirem, a sociedade acreditou porque o Ministério da Educação foi incompetente em trabalhar a entrada desse material. Essa mesma central de boatos e falsos argumentos cerca o PLC 122 e mesmo nós às vezes temos dificuldade em informar os parlamentares do PSDB sobre esse tema, tamanha a organização dos grupos contrários ao projeto. A ABGLT recebeu durante alguns anos recursos para um projeto chamado Aliadas, que era de conscientização dos parlamentares sobre as questões mais importantes para LGBT. Esse trabalho não alcançou resultado esperado. No Congresso Nacional predominam os argumentos dos religiosos fundamentalistas. É um trabalho de informação e convencimento bastante minucioso que precisa ser feito, e o Diversidade Tucana está trabalhando para que o máximo de parlamentares do PSDB se convençam da necessidade da aprovação desse projeto. Sobre o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, temos em governos do PSDB diversas iniciativas de reconhecimento de uniões homoafetivas em questões previdenciárias, por exemplo, e casos como do senador Aécio Neves e o governador Geraldo Alckmin que comemoraram publicamente a decisão do STF em reconhecer essas uniões.

Como o movimento LGBT do PSDB lida com a opressão a outros movimentos sociais dentro do seu próprio partido? Pergunta de Danilo Motta, jornalista, Rio de Janeiro (RJ)

Marcos – Não há opressão a qualquer movimento social dentro do PSDB.

O que PSDB tem como proposta pra coibir os inúmeros casos de violência contra homossexuais no Brasil? Pergunta de Gilson Alves Rosa, Gerente Administrativo, Vitoria (ES)

Marcos – O modelo tucano de governar na questão LGBT tem sido de duas mãos: por um lado a promoção da cidadania LGBT por meio de manifestações culturais, avanços na questão do atendimento no serviço público, especialmente na área da saúde, acolhimento de pessoas LGBT em situação de vulnerabilidade social, qualificação profissional, espaços de diálogo com o poder público, etc; por outro lado o combate à homofobia através do aumento dos canais recebedores de denúncias, delegacias especializadas em crimes de intolerância e melhoria dos instrumentos legais, onde há.

Qual seu posicionamento sobre outras questões “polêmicas” dentro do partido, como cotas raciais, aborto e estado laico? Pergunta de Cauê Madeira, Designer, São Paulo (SP)

Essas não são questões polêmicas dentro do PSDB apenas, são questões polêmicas junto a toda a sociedade brasileira. Minha opinião sobre as cotas raciais é de que são positivas, mas não podem ser a única política pública para tratar da desigualdade racial no Brasil. Se não houver um olhar de longo prazo, que passe pela educação, qualificação profissional, moradia, entre tantas outras questões, nós continuaremos precisando desse tipo de “atalho” por tempo indeterminado. Sobre o aborto, eu não me sinto qualificado para ter uma posição, sendo homem. Essa é uma questão do universo feminino e as mulheres precisam ser empoderadas como protagonistas desse debate. Também é um tema que sofre com o obscurantismo de grupos que não querem sequer que a questão seja debatida, o que eu acho uma pena. O que penso ser realmente importante é entendermos que o aborto, mesmo sendo ilegal, existe. Milhares de mulheres realizam abortos todos os anos, muitas de forma totalmente inadequada. Essas mulheres precisam ser atendidas como cidadãs de forma digna. Isso me parece mais urgente. E sobre o Estado laico, não há o que discutir: o Estado é laico e deve continuar sendo laico.

Como a DT tem trabalhado a relação com a Bancada Evangélica do próprio partido?

Marcos – Hoje todos os partidos brasileiros têm representantes evangélicos. Pouca gente sabe, por exemplo, que o PT tem apenas um parlamentar a menos que o PSDB na bancada evangélica. Quem faz parte de um partido político entende que são normais e até saudáveis algumas divergências internas, e nós procuramos atuar pela via da informação, com respeito a todas as linhas de pensamentos que existem no PSDB sobre todos os tipos de tema. Nunca deixamos de nos posicionar sobre as questões relativas à cidadania LGBT, e por isso algumas vezes a relação é de conflito, mas nunca houve qualquer situação de desrespeito, perseguição ou obstrução de trabalhos.

O deputado federal tucano João Campos (PSDB-GO) é autor de projeto de lei para permitir que homossexuais possam ser ‘tratados’ por psicólogos, num projeto que ficou conhecido como ‘projeto da cura gay’. Esta posição de João Campos é a posição oficial do PSDB?

Marcos – Esse projeto é uma aberração, despropositado e não conta com apoio do partido.

O Movimento LGBT carece de força política, inclusive com representação de LGBT no Congresso e Assembleias Estaduais. Como resolver este problema?

Marcos – O movimento está muito partidarizado e isso compromete sua atuação como movimento social, é importante ter os grupos LGBT nos partidos, mas o movimento social não deve ser partidarizado.

Outra crítica recorrente é da falta de bases sociais do Movimento LGBT. Como você acha que este problema poderia ser resolvido?

Marcos – De uma forma geral, o Movimento LGBT precisa se voltar mais à população LGBT em si. Quando vemos, por exemplo, a ABGLT e o Conselho Nacional LGBT titubear frente aos vetos da presidente Dilma a políticas públicas voltadas à nossa população, como podemos esperar que as pessoas se sentissem representadas por esse movimento? O Movimento LGBT precisa defender os interesses da população LGBT acima de qualquer proximidade partidária ou interesse particular. Esse princípio básico não tem sido observado por muitas das nossas principais organizações e lideranças. Pode ver nas redes sociais e manifestações públicas como ainda tem militante LGBT tentando contemporizar as posturas anti-LGBT da presidente Dilma, falando que ela é “refém” de forças conservadoras, como se ela fosse vítima dos fatos e não protagonista deles.

Serra ou Aécio Neves? Qual dos dois tem mais proximidade com a Diversidade Tucana e com os direitos dos LGBT?

Marcos – A hora de se fazer esse debate não é agora. Tanto Serra quanto Aécio têm posturas e ações para mostrar à população LGBT, bem como Geraldo Alckmin, Simão Jatene, Teotônio Vilela, Beto Richa, Marconi Perilo enfim, o PSDB tem muitos nomes qualificados a apresentar para a população brasileira e o Diversidade Tucana tem a maior satisfação de dizer que podemos carregar a bandeira de qualquer um deles pois será sem dúvidas uma bandeira de respeito à população LGBT e de repúdio a qualquer forma de preconceito.

 

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Atualização (25/03/12)

Giovanni Viero, de Curitiba, me mandou link de matéria onde Serra teria dito que vetaria a PLC 122:

Em convenção da Assembléia de Deus, José Serra afirma que vetará a PLC 122 caso seja eleito

 

O medo é nosso, e não dos evangélicos, Marco Feliciano

O exagero dos deputados da Bancada Evangélica chega a ser engraçado, para não dizer ridículo, ante as demandas dos homoafetivos. Nesta semana, o deputado federal e pastor Marco Feliciano (PSC-SP) disse, em artigo publicado em seu site:

“Tal grupo (os homossexuais) representa uma minoria, não destas que sofrem de verdade, mas que sob uma camuflagem de perseguição, tenta e consegue impor seu modo de vida promíscuo, seus pensamentos anti-família e anti-bons-costumes (…) O que virá a seguir? Que Deus nos ajude! E nos ajude logo, antes que, esses fascistas, expulsem de uma vez Deus da nação brasileira, como buscam exterminar programações religiosas na TV”

Vou ignorar as falhas na argumentação do deputado, que normalmente carecem de ligação com a lógica e com os fatos. Vou ignorar que o Brasil é o líder do ranking mundial de mortes de homossexuais em crimes violentos e de natureza homofobia, e que esta discriminação é apenas a ponta de um iceberg de crimes de preconceito e de intolerância que não chegam à luz da justiça. Vou ignorar também o conceito de família do deputado (que também foi ignorado pelo STF ao aprovar a união homoafetiva) e de muitos fundamentalistas que se esquecem de atualizar seus conceitos morais para a atualidade, e que querem privar outros de fazê-lo. Vou ainda fazer vista grossa a utilização indevida do termo ‘fascista’ referindo-se a homossexuais, visto que os fascistas (com a conivência da grande maioria de instituições religiosas) mataram milhares de homossexuais durante a segunda guerra mundial (e ainda hoje), e seu espólio filosófico ainda inspira matadores de gays pelo Brasil.

Vou me ater apenas ao ponto central da argumentação de Feliciano: o medo de que os ‘homossexuais expulsem deus (e seus seguidores) do Brasil. A liberdade religiosa é uma clausula pétrea da Constituição Federal, que no artigo 5º, VI, estipula ser inviolável a liberdade de consciência e de crença, assegurando o livre exercício dos cultos religiosos e garantindo, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e as suas liturgias.

Mesmo que um presidente homossexual (outro além da egodistônica Dilma Rousseff) assuma o poder, as liberdades religiosas estão garantidas. Mesmo porque, em nenhum momento, em nenhuma declaração pública, nenhum homossexual (que eu tenha registro) falou contra as liberdades religiosas, não importando a crença ou denominação. O problema é que muitas destas denominações não querem apenas viver suas ideologias, mas as impor sobre toda a sociedade, de forma autoritária e (aí sim) fascista. Não compete ao Estado ou a Constituição versar sobre o que é pecado e sobre os conceitos infundados de família que A ou B tenham criado, mas garantir os direitos humanos a todos, independente de crença, baseados na liberdade individual e no que há de mais moderno no mundo em relação a estes direitos.

Agora, os direitos dos homossexuais (inclusive de existir ou de morar no Brasil) podem ser ameaçados se um grupo fundamentalista assumir o poder. O medo tem de ser nosso e não dos evangélicos. O que garante que um presidente evangélico não possa ‘proibir relações entre pessoas do mesmo sexo’? O que garante que uma maioria absoluta no congresso não torne homossexualidade uma doença e o tratamento compulsório? Mesmo sem maioria, eles já querem fazer tal absurdo, através do projeto de lei do Deputado Federal João Campos (PSDB-GO), usando truques de lingüística simplistas chamando a cura de ‘tratamento’, sem buscar no dicionário o significado de ‘tratamento’.

O que nos garante que teremos direitos assegurados com uma maioria de fundamentalistas no poder, se hoje já não temos direitos respeitados? Como esperar que a discriminação contra LGBTs cesse, se não ensinarmos as gerações futuras a beleza da diversidade entre as pessoas? Sem a aprovação de um projeto que torne obrigatório o ensino de orientação sexual e identidade de gênero nas escolas públicas e particulares, obviamente adequadas a realidade pedagógica de cada jovem, nunca sairemos deste ciclo vicioso de homofobia e preconceito.

Como seus pensamentos em looping, os fundamentalistas querem que a existência dos homossexuais seja miserável, para poder então ‘curá-los’, aumentar seus rebanhos, e consequentemente seus lucros. Os LGTB seriam sempre discriminados por terem seus direitos (inclusive a vida) negados por pessoas que não aceitam a diversidade. E estas pessoas não aceitam ou compreendem a diversidade porque não forem EDUCADAS para tal, pois nem em casa ou escola ensinam isso.

A falta de coerência nos argumentos do Deputado Marcos Feliciano é aterradora, e a forma como ele tenta manipular as massas que o seguem também. O medo de perder direitos civis, de perder a dignidade, de perder o emprego, de perder o abrigo em casa, de perder os amigos, a família, de perder dentes, de ter ossos quebrados, de perder a vida em um beco de uma cidade qualquer, é NOSSO, deputado. Porque este medo real, e não hipotético, já faz parte do cotidiano de todos os gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais brasileiros.